Artigos 18 de Maio de 2007
Educação Emocional
É fundamental ser capaz de saber identificar as próprias emoções, para entendê-las, para só, então, poder entender as dos outros.
_________________________________________________________
Hoje em dia sabemos que, desde pequenas, as crianças são capazes de sentir todas as emoções de um adulto, só que elas ainda não sabem como percebê-las, rotulá-las, compreendê-las, nem regulá-las. Tudo isto precisa ser aprendido.
Por muito tempo, as emoções, nas escolas, ficaram da soleira da porta, para o lado de fora. O conceito de inteligência emocional ainda não existia e, como as questões emocionais também não eram, normalmente, abordadas na educação doméstica, as pessoas tinham que aprender a lidar com as suas emoções como podiam, ou não podiam. Assim, na falta de uma educação emocional explícita, elas lutavam na escuridão, contra si mesmas, como dizem Berrocal e Ramos (2001), produzindo geração após geração de “analfabetos emocionais”, a minha inclusive.
Durante vários séculos, a idéia prevalente era que somos humanos porque pensamos, não porque sentimos. Esta noção ganhou notoriedade, sobretudo a partir do século XVII, quando René Descartes publicou, em 1637, seu livro Discours de la Méthode. Nesta obra, o matemático e filósofo francês afirmava “Puisque je doute, je pense; puisque je pense, j`existe” e, em outro momento, “je pense, donc je suis”, frase que, quando a obra foi traduzida, posteriormente, para o latim, deu origem ao famoso axioma “cogito ergo sum” (penso, logo existo).
Ser inteligente, na sociedade ocidental, desde então, passou a ser considerado uma propriedade da razão, como, por exemplo, se distinguir no domínio das línguas clássicas, do raciocínio matemático, das ciências ou da filosofia. A partir das contribuições de Alfred Binet, já no século passado, iniciou-se um intenso esforço para medir esta suposta faculdade unidimensional, por meio de uma pontuação em testes de capacidade cognitiva, como os de QI. (Veja artigo “Intelgiências Múltiplas”)
Contudo, tais noções começaram a ruir, pouco antes do início do século XXI, pois se tornou, cada vez, mais óbvio que a inteligência acadêmica não era suficiente, nem para garantir êxito na vida profissional, nem a felicidade na vida cotidiana. Impelidos por estas constatações, os teóricos começaram a considerar outros ideais e modelos de pessoa, diferentes do puramente racionalista, até então dominante na ciência e nas sociedades pós-cartesianas (Pacheco e Berrocal, 2001).
Os dois temas sobre os quais pretendo debruçar-me, nesta breve reflexão, são como se aprende a regular as emoções e qual é o papel da escola nesta aprendizagem. De início, é necessário esclarecer o que se entende por regular. Embora seja comum pensar que a regulação das experiências emocionais diga respeito, somente, à atenuação de emoções ditas negativas, o termo também se refere às emoções positivas, tanto no que tange a atenuá-las, quanto intensificá-las. Em se tratando do fenômeno emocional, a palavra regulação é utilizada em psicologia para designar os diversos processos, cuja função é de modificar, em algum sentido, seja atenuando, intensificando ou transformando, tanto a experiência interior subjetiva, quanto a expressão de qualquer tipo de emoção (Etxebarria, 2001)
Ora, para poder aprender a regular suas próprias emoções, é necessário, antes, que a criança aprenda os passos precursores essenciais de perceber, identificar, rotular e compreender seus eventos emocionais. A capacidade de perceber é inata, mas precisa ser amadurecida. As de identificar, rotular e compreender, ao contrário, são organizadas, pouco a pouco, na interação social. Não sendo, portanto, naturais, precisam ser aprendidas. E, diga-se de passagem, trata-se de um aprendizado que leva muitos anos para se processar.
O que permite o desenvolvimento de uma consciência emocional é o exercício continuado de tentar descrever as emoções sentidas, expressando-as por meio de palavras e do uso de etiquetas ou rótulos verbais precisos. É fundamental ser capaz de saber identificar as próprias emoções, para entendê-las, para só, então, poder entender as dos outros. Somente quando se consegue avaliar com exatidão o que os outros sentem, pode-se reagir de forma solidária. Daí se conclui, portanto, que não há como pretender ensinar solidariedade, sem antes educar emocionalmente.
Quando as crianças não desenvolvem na infância estas habilidades e competências sócio-emocionais, podem se tornar adultos insensíveis e indiferentes à dor e ao sofrimento alheios, inclusive quando estes são causados por si mesmo. Por isso, a educação emocional e a educação de valores são importantes, desde a infância, para promover o desenvolvimento de uma personalidade socialmente equilibrada.
Da mesma forma que valores e atitudes são aprendidos em situações concretas e não teoricamente, assim também é com a regulação eficaz das próprias emoções. Grande parte deste aprendizado ocorre conscientemente, ou inconscientemente, por imitação dos adultos. Um sério problema, contudo, é que a expressão da raiva é, muitas vezes, a única modalidade de emoção que as crianças percebem os adultos à sua volta expressarem. Pior ainda, é quando esta é expressa em conflitos irreflexivos e, às vezes, até violento. E o que dizer dos modelos que são bombardeados continuamente pela mídia?
Reações emocionais inteligentes precisam ser aprendidas com auxílio de outros e pela prática e exercício continuados, não somente por preceito e instrução verbal. As crianças precisam de modelos, exemplos e de intervenções pedagógicas para aprenderem a lidar com suas próprias emoções. Isto deve ser feito não só em casa, como na escola também. Como educadores, devemos atentar para as situações que favorecem este aprendizado e não deixá-las passar em branco, por que são imprevisíveis. A educação emocional é um desafio da escola no século XXI.